Sílabas Perdidas

       Cresci mais perto do cabo carvoeiro que do cabo da roca. Espaço rural fértil em couves, abóboras e jogos de futebol. Casas feias, gente humilde, patos bravos e muito mar. A contrastar com o colorido infinito das minhas praias de infância estava a falta de imaginação dos nomes dos estabelecimentos comerciais. A vila chama-se Lourinhã e nalgum momento da história recente algum negociante se lembrou de erradicar o nhã. Ficou o Louri ao qual se aglutinou todo o género de palavras consoante o tipo de negócio.
      Se for escrever aos primos de França, vai à Louripapel comprar envelopes e à Louritipo para imprimir os convites para o casamento do mais novo. Se o computador não arranca, quem o pode formatar é a Lourinfor. Para a festa da criançada, dirige-se à Lourisumos e à Louricake. Para as manchas que ficam no tapete, tem a Lourilider ou a Lourilimpeza. Se o portão da garagem não funciona, a Louriflex - portas e automatismos, tem serviço ao domicílio. Se este ano as chuvas estão fracas e as alfaces não medram, a Lourirega não o vai deixar à míngua. Se o problema é com o tractor que carrega a sua safra, então Lourilavra. Se lhe falta ração e adubos, fertilize-se na Louricoop. Para materializar a casa dos seus sonhos as opções dividem-se. Se quer chave na mão, tem os investimentos imobiliários da Louriplus. Se quer organizar as obras, torna-se difícil escolher pelo excesso de oferta para território tão pequeno. Depois de adquirir o terreno passa pela Desenhoeste, empresa de arquitectura que não se cinge aos limites do concelho (ao qual dei a alcunha carinhosa de Arquilouri), pede à Louritop o levantamento topográfico, compra os materiais de construção à Louritrupe e escolhe entre os empreiteiros da Louriprédio, da Louricasa, da Lourijovens ou da Louritorres. Para o que não é tijolo e cimento, aconselho a Lourisoalhos, a Louriestuque, a Louricor, a Louripintura e, por fim, a Louricosinha (a mostrar respeito pelo português antigo).
       O meu mundo nominal era aborrecido, mas uno e simples de entender. Um dia a gente acorda, cai um pedaço da arriba, e a vida muda. 
       Entre os escombros descobriram fósseis, pegadas e ovos fossilizados de dinossauro. A vila em alvoroço. Onde crianças fazem castelos de areia e adolescentes jogam à bola, viveram esses seres desproporcionais para o nosso  dia-a-dia! Vêm paleontólogos de toda a parte pincelar a montanha, escrevem-se novos testamentos sobre a matéria, jornalistas perguntam aos transeuntes o que pensam do sucedido. A intimidade dos bichos coscuvilhada até ao tutano.
       Dá-se início à febre do Dinossauro, mais perigosa que o míldio da batata ou a mosca da fruta. O antigo museu dedicado aos artefactos dos antepassados chuta para canto essas memórias recentes e dá primazia aos gigantes. Houve quem falasse em exagero quando se assumiu o título Lourinhã, capital dos dinossauros, ou quando o edil, há três décadas no poder, inaugurou uma rotunda com três feras jurássicas em tamanho real, ao som da banda filarmónica. Eu, admito, sempre me fascinei mais com o arbusto em forma de Tiranossauro esquecido no jardim à frente dos correios. 
     Mas houve também quem tivesse sentido prático e olho para o negócio, além da Louritex, que construiu os dinossauros metálicos da tal rotunda. Em sintonia começou a surgir nas mentes dos jovens empresários do concelho um prefixo comercial que espelhava a nova realidade. Uma nova abordagem. Um novo conceito. 
       Dino.
     Demorei a aceitar o facto que Louri era passado e Dino futuro. Mas lancho agora na Dinopão, trato da placa bacteriana na Dinodente, mato a sede de adrenalina na Dinokart depois das aulas na Escola de Condução Dinossauro, e tenho fé na Dinorações. Quando chegar a altura de comprar casa fecharei negócio com a Dino Villas. Quanto às férias, para sentir que estou no estrangeiro, The Dino Beach Apartment.
       Um dia, no museu, entre as ossadas do Neolítico e as aduelas do tanoeiro irá jazer o nome Louri. Por enquanto espero a abertura do anunciado Dinoparque, um parque temático de dez hectares com réplicas dos répteis pré-históricos à escala real, onde vai estar presente o Lourinhanossaurus, orgulho da vila. 
       Eu, se voltar à terra e abrir as portas do meu comércio já tenho nome para o baptizar: Sauronhã.

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